quinta-feira, 11 de agosto de 2011

O AUTO DA COMPADECIDA (ARIANO SUASSUNA)






O AUTO DA COMPADECIDA (ARIANO SUASSUNA)

O teatro, isto é, o texto teatral é uma forma cultural, diferente de outras formas culturais que têm no texto seu veículo de comunicação. Uma peça teatral, portanto, não é a mesma coisa que um romance, um conto ou um poema. Em linhas gerais, o teatro recebe grandes impactos dos condicionamentos de um dado momento histórico. Esses impactos se refletem na temática, no tratamento do assunto, nas técnicas propriamente teatrais (cenarização, cenografia, ritmo, iluminação, etc.).
A peça em estudo apresenta quinze personagens de cena e uma personagem de ligação e comando do espetáculo.
PRINCIPAL: João Grilo
OUTRAS: Chicó, Padre João, Sacristão, Padeiro, Mulher do Padeiro, Bispo, Cangaceiro, Manuel, A Compadecida, Antônio Morais, Frade, Severino do Aracaju, Demônio.
LIGAÇÃO: Palhaço
João Grilo é o personagem principal. É uma figura típica do nordestino sabido, analfabeto e amarelo. Trabalha na padaria, vive em desconforto e a miséria é sua companheira.  Sua fé nas artimanhas que cria, reflete, no fundo, uma forma de crença arraigada na proteção que recebe, embora sem saber, da Compadecida. É essa convicção que o salva. E ele recebe nova oportunidade de Manuel (Cristo), retornando- à vida e à companhia de Chicó. É uma oportunidade inusitada de ressurreição e retorno à existência. Caberá a ele provar que essa oportunidade foi ou não bem aproveitada.
Chicó é companheiro constante de João Grilo. Envolve-se nos expedientes de João Grilo e é seu parceiro, mais por solidariedade do que por convicção íntima. Mas é um amigo leal. Padre João, o bispo e o sacristão estão concentrados em torno da cobiça, relacionada com a situação contida no testamento do cachorro. Antônio Morais é a autoridade decorrente do poder econômico, resquício do coronelismo nordestino, a quem se curvam a política, os sacerdotes e a gente pobre. O padeiro e sua mulher encarnam, de um lado, a exploração do homem pelo homem e, de outro, o adultério. Severino do Aracaju e o cangaceiro representam a crueldade sádica. O demônio julga, aguardando seu benefício, isto é, o aumento da clientela do inferno. É importante verificar que representa, de alguma forma, um instrumento da Justiça. Manuel é o Cristo negro, justo e onisciente, encarnação do verbo e da lei. Atua como julgador final dos da prudência mundana, do preconceito, do falso testemunho, da arrogância, da preguiça. Personagem a personagem têm seu pecado definido e analisado, com sabedoria e com prudência. A Compadecida é a Nossa Senhora, invocada por João Grilo, o ser que lhe dará a segunda oportunidade da vida. É plena de misericórdia, intervindo a favor de quem nela crê.
A dimensão da importância do personagem João Grilo surge logo no início da peça, quando as personagens são apresentadas ao público pelo Palhaço. Apenas duas personagens se dirigem ao público. Uma, a chamado do Palhaço, a atriz que vai representar a Compadecida, e João Grilo.
"PALHAÇO: Auto da Compadecia! Umas história altamente moral e um apelo à misericórdia.
            JOÃO GRILO: Ele diz "à misericórdia", porque sabe que, se fôssemos julgados pela justiça, toda a nação seria condenada" (p.24).
Mas a importância inequívoca de João Grilo na estrutura da peça define-se a partir do fato de que as situações do Auto da Compadecida são todas desenvolvidas por essa personagem:
1ª) a benção do cachorro e o expediente utilizado: o Major Antônio Morais.
“JOÃO GRILO: Era o único jeito de o padre prometer que benzia.”
2ª) a loucura do Padre João, como justifica para o Major Antônio Morais.
JOÃO GRILO: /.../ "É que eu queria avisar para Vossa Senhoria não ficar espantado: o padre está meio doido".(p.40). "Não sei, é a mania dele agora. Benzer tudo e chama a gente de cachorro"(p.41).
3ª) o testamento do cachorro.
“JOÃO GRILO: Esse era um cachorro inteligente. Antes de morrer, olhava para a torre da igreja toda vez que o sino batia. Nesses últimos tempos, já doente para morrer, botava uns olhos bem compridos para os lados daqui, latindo na maior tristeza. Até que meu patrão entendeu, coma a minha patroa, é claro, que ele queria ser abençoada e morrer como cristão. Mas nem assim ele sossegou. Foi preciso que o patrão prometesse que vinha encomendar a benção e que, no caso de ele morrer, teria um enterro em latim. Que em troca do enterro acrescentaria no testamento dele dez contos de réis para o padre e três para o sacristão" (p.63-64).
4ª) o gato que "descome dinheiro".
“JOÃO GRILO: Pois vou vender a ela, para tomar lugar do cachorro, um gato maravilhoso, que descome dinheiro"
5ª) a "visita" ao Padre Cícero.
“JOÃO GRILO: Seu cabra lhe dá um tiro de rifle, você vai visitá-lo. Então eu toco na gaita e você volta" (p.127).
6ª) o julgamento pelo Diabo (o Encourado).
“JOÃO GRILO: Sai daí, pai da mentira! Sempre ouvi dizer que para se condenar uma pessoa ela tem de ser ouvida!"(p.144).
7ª) o apelo à misericórdia (À Virgem Maria).
“JOÃO GRILO: Ah, isso é comigo. Vou fazer um chamado especial, em verso. Garanto que ela vem, querem ver?" (p.169).
Portanto, a intenção moral, ou moralidade da peça, fica muito clara, desde que se torne claro, também, que essa intenção vincula-se a uma linha de pensamento religioso, e da Igreja Católica.
"PALHAÇO: /.../ Espero que todos os presente aproveitem os ensinamentos desta peça e reformem suas vidas, se bem que eu tenho certeza de que todos os que estão aqui são uns verdadeiros santos, praticantes da virtude, do amor a Deus e ao próximo, sem maldade, sem mesquinhez, incapazes de julgar e de falar mal dos outros, generosos, sem avareza, ótimos patrões, excelentes empregados, sóbrios, castos e pacientes" (p.137).

QUESTÕES

As questões de 1, 2 e 3 referem-se ao texto abaixo.
“João Grilo: Ah isso é comigo. Vou fazer um´chamado especial, em verso. Garanto que ela vem, querem ver? (Recitando.) Valha-me Nossa Senhora, Mãe de Deus de Nazaré! A vaca mansa dá leite, a braba dá quando quer. A mansa dá sossegada, a braba levanta o pé. Já fui barco, fui navio, mas hoje sou escaler. Já fui menino, fui homem, só me falta ser mulher.
Encourado: Vá vendo a falta de respeito, viu?
João Grilo: Falta de respeito nada, rapaz! Isso é o versinho de Canário Pardo que minha mãe cantava para eu dormir. Isso tem nada de falta de respeito! Já fui barco, fui navio, mas hoje sou escaler. Já fui menino, fui homem, só me falta ser mulher. Valhame
Nossa Senhora, Mãe de Deus de Nazaré. Cena igual à da aparição de Nosso Senhor, e Nossa Senhora, A compadecida, entra.
Encourado, com raiva surda: Lá vem a compadecida! Mulher em tudo se mete!
João Grilo: Falta de respeito foi isso agora, viu? A senhora se zangou com o verso que eu recitei?
A Compadecida: Não, João, porque eu iria me zangar? Aquele é o versinho que Canário Pardo escreveu para mim e que eu agradeço. Não deixa de ser uma oração, uma invocação. Tem umas graças, mas isso até a torna alegre e foi coisa de que eu sempre gostei. Quem gosta de tristeza é o diabo.
João Grilo: É porque esse camarada aí, tudo o que se diz ele enrasca a gente, dizendo que é falta de respeito.
A Compadecida: É máscara dele, João. Como todo fariseu, o diabo é muito apegado às formas exteriores. É um fariseu consumado.
Encourado: Protesto.
Manuel: Eu já sei que você protesta, mas não tenho o que fazer, meu velho. Discordar de minha mãe é que eu não vou. (...)”
Fonte: Auto da Compadecida. 15 ed. Rio de Janeiro: Agir, 1979.
1 - A obra “Auto da Compadecida” foi escrita para o teatro:
a) Por João Cabral de Mello Neto e aborda temas recorrentes do Nordeste brasileiro.
b) E seu autor, Ariano Suassuna, aborda o tema da seca que sempre marcou o Nordeste.
c) Pelos autores do ciclo armorial, abordando temas religiosos e costumes populares.
d) Por Ariano Suassuna, tendo como base romances e histórias populares do Nordeste
brasileiro.
e) Por João Cabral de Mello Neto e aborda temas religiosos divulgados pela literatura de cordel.

2 - Com base no texto e nos seus conhecimentos sobre a obra, as personagens João Grilo e Chicó identificam-se com:
a) Os bobos da corte da Idade Média.
b) Os palhaços dos circos populares.
c) As figuras de arlequim e pierrô da tradição romântica universal.
d) Tipos humanos autenticamente brasileiros.
e) Figuras lendárias da literatura popular nordestina, semelhantes a Lampião e Padre
Cícero.

3 - Ao humanizar personagens como Manuel e a Compadecida, o autor pretende:
a) Denunciar o lado negativo do clero, na religião católica.
b) Exaltar o sentimento da justiça divina ao contemplar os simples de coração.
c) Mostrar um sentimento religioso simples e humanizado, mais próximo do povo.
d) Retratar o sentimento religioso do povo nordestino, numa visão iconoclasta (quem ataca crenças estabelecias).
e) Fazer caricatura com as figuras de Cristo e de Nossa Senhora.

4 - Releia um fragmento da fala da Compadecida em favor de João.
“João foi um pobre como nós, meu filho. Teve de suportar as maiores dificuldades, numa terra seca e
pobre como a nossa. Não o condene, deixe João ir para o purgatório.”
Responda:
a) Quais as características de João Grilo que lembram a região onde morou?
b) Quais as consequências das condições do ambiente no comportamento de João e Chico?
c) Descreva as características de João Grilo que permitem afirmar que ele representa a humanidade.

5 - Que figura nordestina Severino representa?
6 - Em outro trecho da cena do julgamento, quando João Grilo tenta recorrer a mais uma esperteza para livrar-se da acusação do diabo, Cristo o adverte: “Deixe de chicana, João. Você pensa que isso aqui é o Palácio da Justiça?” Relacione a crítica feita nesse trecho com o papel da Justiça e do Estado para esse povo.

7 - Observe o trecho:
“João Grilo: Ah, mas aquilo é por que foi o cachorro. Com meu gato é diferente...
Mulher: Diferente por quê?
João Grilo: Por que em vez de despesa, esse gato dá é lucro.
Mulher: Fora vaca, cavalo e criação, bicho que dá lucro não existe.
João Grilo: Não existe se não... Eu fico meio encabulado de dizer!
Mulher: Que é isso João, você está em casa! Diga!
João Grilo: É que o gato que eu trouxe descome dinheiro.”
Fonte: Auto da Compadecida. 15 ed. Rio de Janeiro: Agir, 1979.

Hoje, de que maneira os nordestinos enfrentam as adversidades da seca?




4 comentários:

  1. Me ajude é urgente que figura severino de aracaju representa na historia do sertão??

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  2. Boa tarde professor Marcos.
    Usei algumas questões de seu trabalho em atividades em sala. Mas gostaria de saber as respostas. Por favor o senhor poderia ajudar-me?
    Obrigada
    Profa. Viviane Ponte

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  3. Queria que você me enviasse se possivel hoje as respostas para passar a atividade para meus alunos. Agradeço desde já!

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